Capítulo 54
AUSTIN É UM
TURBILHÃO
Ana
Um grupo de cervos salta em toda a área
verde por trás dos jardins que se alastram pela casa
alugada em Austin. Eu os aponto e digo:
– Veja!
Mas Chris apenas solta uns grunhidos, um pouco ocupado em lançar um pneu
gigantesco de trator para longe, e uma vez mais.
Está tão quente aqui no Texas que o suor escorre pelo meu pescoço e mergulha em
meu decote.
Apertando os olhos no sol da tarde, pergunto a Chris e ao treinador se eles
querem alguma coisa de dentro da casa, e o treinador balança a cabeça, enquanto
Chris grunhe e começa a girar o pneu na direção oposta.
– Estamos quase terminando. – O treinador me deixa saber.
Concordo com a cabeça e levanto dois dedos – o que significa que levarei dois
minutos para fazer a minha quinta viagem para a casa atrás de uma limonada.
Dentro da casa, vejo Sawyer na borda da sala, tão parado que quase não o
enxergo. Suas mãos estão enfiadas nos bolsos do terno e ele está olhando para a
porta da frente com uma enorme tristeza. Meu corpo entra direto para o modo de
alerta, um pouco de frio se instala no núcleo profundo dentro da minha barriga.
– Os pais dele – digo com nojo.
Os pais dele. Dois espécimes de pessoas que não merecem um pênis e ovários, e
muito menos ser autorizados a produzir algo tão magnífico como Christian!
Criá-lo? Oh, não. Aqueles idiotas apenas pegaram seu menino, largaram em uma
instituição de saúde mental e nunca mais voltaram.
Com os lábios apertados, Sawyer me faz um gesto afirmativo de cabeça.
– Taylor está cuidando disso.
Enrolando meus braços em volta da minha barriga por puro instinto protetor, meu
olhar cai sobre a porta da frente, juntamente com o dele.
– Por que eles continuam incomodando? Será que eles querem fazer as pazes?
– Ana! – Sawyer quase engasga com o meu nome, sua risada uma das mais sem graça
que já ouvi alguém
dar. – Eles são idiotas. Passamos por isso dezenas de vezes e eles sabem que Christian
vai fazê-los ir embora com um cheque bem gordo.
Uma raiva poderosa toma conta de mim quando penso no modo como Chris fica
inquieto toda vez que chegamos perto de sua cidade natal. Na última temporada,
seus pais o procuraram de novo e receberam um cheque com a assinatura do filho.
– Eles não merecem nada dele, nada! – sussurro.
Antes que eu mesma perceba, já estou atravessando a sala.
– Ana! Deixe que o Taylor os afaste – propõe Sawyer.
Mas em vez de fazer isso, abro a porta e lá estão eles, na varanda, todos na
boa. O homem... Ele é grande como uma montanha, e envelheceu bem. Juro
que quase dói ver a semelhança de Chris com ele. Olhos do mesmo tom azul
elétrico como os de Christian caem imediatamente em mim, mas a expressão nestes
olhos é em todo diferente. A vida e vitalidade, a motivação e a força que vejo
nos olhos de Christian estão completamente ausentes em seu pai.
E sua mãe? Enquanto ela me examina com um olhar crítico, eu a examino de volta
e com esse
vestido pequeno de dona de casa, ela parece pequena, calma e doce, o que só faz
mais avassaladora minha confusão.
Estas são pessoas para quem eu poderia sorrir em um elevador, ou passando por
elas na rua. Eles parecem bons e carinhosos, mas como poderiam? Como podem ter
abandonado Chris e depois ter a ousadia de vir bater à sua porta, e outra vez,
como se fosse o seu direito?
O simples pensamento de abandonar este pequeno bebê que tenho dentro de mim me
repugna, e ainda não consigo entender por que alguém faria isso com seu próprio
filho.
– Vocês o deixaram sozinho a vida toda, por que não podem deixá-lo sozinho
agora? – pergunto carrancuda.
Os dois me olham genuinamente horrorizados com a minha aparência ou com meu
desabafo ou, muito possivelmente, com ambos.
– Queremos falar com ele – diz a mulher.
Porque é o que ela é, apenas uma mulher. Nunca posso olhar para ela e pensar
nela como sendo a mãe de alguém, em especial de Chris.
– Olhe... Já ouvimos falar sobre o bebê – acrescenta. Os olhos dela
descem para minha barriga e sinto Taylor se aproximar de mim, como se esperando
que a mulher chegasse e tentasse tocar em mim e ele, em nome de Christian,
pretende impedi-la. – Este bebê – a mulher continua, franzindo os lábios em uma
linha fina e apontando para mim – poderia ser como ele. Você percebe?
– Sim – digo, empurrando o queixo para cima. – Eu espero que seja.
– Nosso filho não está em condições de ser pai! – O homem troveja em uma voz
profunda que me assusta. – Ele pode machucar alguém. Ele precisa ser medicado e
contido!
– Oh meu Deus, hipócritas! Vocês querem falar sobre
como é ser bons pais? – pergunto, tão
ultrajada que meus pulmões nem trabalham direito agora. – Seu filho cresceu e
se tornou um homem nobre e honrado, apesar do que ele teve que lidar, enquanto
vocês abandonaram o seu único filho! Vocês pegaram a infância dele e o atiraram
para longe, e ainda querem vir até aqui pra dizer a ele como viver o resto de
sua vida?
– Nosso filho está doente! Queremos que ele seja tratado e medicado numa
instituição psiquiátrica periodicamente para a certificação de que está calmo e
sereno, como uma pessoa normal – diz a mulher.
– Não! Vocês é que precisam fazer isso! Pelo menos ele sabe qual é o problema
dele, mas acho
que vocês devem descobrir o seu.
A porta atrás de nós se abre, e Sawyer sai com o olhar mais feroz que eu já o
vi usar.
– Vocês perderam um ser humano incrível – diz Sawyer, e eles parecem tão
chocados com a sua calma e suas palavras ameaçadoras que acho que esta é a
primeira vez que ele saiu para
cumprimentá-los também. – Como seus pais, vocês deveriam ter cuidado dele. E
nós não sentimos por ele, realmente, porque ele cresceu e prosperou. Mas
sentimos muito por vocês.
– Nós somos a família dele – bufa a mãe de Chris.
– Vocês eram a família dele – corrige Taylor quando se aproxima mais de mim. –
Ele é nosso agora. E esta é a última vez que irei lhes pedir pra ir embora. Da
próxima vez que vierem aqui sem ser chamados, vou avisar as autoridades.
O homem olha para mim, e isso é tão estranho, os olhos tão parecidos com Chris,
mas olhando
para mim com tal desprezo frio, o contrário do calor do filho.
– Você deve ter uma cabeça fraca pra deixar meu filho pegar você desse jeito –
diz ele, apontando para minha barriga.
De repente, sou puxada de volta para uma parede musculosa. Minha respiração se
enrola na minha garganta quando uma mão protetora se abre sobre minha barriga e
o som da voz de Christian por cima da minha cabeça faz todos os pelinhos em
meus braços ficar em pé.
– Cheguem perto dela ou de qualquer coisa minha de novo, e vou mostrar-lhes num
piscar de olhos o quão perigoso eu sou – diz ele em um tom monótono, ainda mais
predatório por sua tranquilidade.
A energia volátil que emana de seu corpo musculoso faz meu pulso acelerar na
expectativa da
resposta de seu pai. Nenhum deles parece capaz de manter o olhar de Christian
por muito tempo.
Com os lábios franzidos e apertados, o homem agarra a mulher e arrasta-a para
baixo da entrada de carros em direção ao carro pequeno no meio-fio.
Minhas pernas estão tremendo, a maioria do meu peso descansando contra ele
quando Chris aperta meus quadris e murmura:
– Entre. Vamos para dentro.
Christian pega uma garrafa de água da cozinha e a despeja sobre a cabeça. Ele
ainda está usando as roupas de treino, os músculos brilhando. Ele sacode o
cabelo molhado, então cai em um dos sofás da sala de estar e lança a garrafa
vazia no chão, observando-a girar com raiva. Seus cotovelos estão nos joelhos,
os ombros largos estão tensos, e sua cabeça escura está dobrada enquanto olha
para nada, a não ser a garrafa girando, mais e mais.
– Não acho que seus pais concordaram com sua escolha de mulher, Chris.
Sawyer é o primeiro a falar. Sei que ele está tentando deixar o que aconteceu
mais leve, mas
ninguém ri. A tensão no ar é tão espessa que se poderia cortá-la com um
machado.
Christian levanta a cabeça e me olha de cima a baixo com seus olhos azuis.
– Se eles chegarem perto de você, quero ser o primeiro a saber. Entendeu,
pimentinha?
A feroz proteção embutida em seu olhar faz uma sensação igualmente protetora
prender-se com firmeza em minhas entranhas.
– Eles não estavam atrás de mim, estavam procurando por você.
– Não quero essas pessoas perto de você. Nem perto de nossos filhos – diz ele
com raiva.
Meu coração torce no peito. Ele disse “filhos”, no plural? Quero sorrir e
abraçá-lo, mas o olhar
nele... É primitivo em sua dor.
– Já acabou? – pergunto alegremente, apontando lá fora, onde ele estava
treinando.
Ele assente lentamente, o rosto contraído enquanto vê que me aproximo.
Chris está emburrado, sua raiva palpável no ar. Ele usa uma expressão estranha,
como se estivesse tentando se recompor. A cada segundo, seu maxilar se move,
abrindo e fechando. Odeio que ele tenha tido que ficar cara a cara com seus
pais, mas uma vez mais, provou que vai fazer de tudo para me proteger.
Meu coração parece estar tanto machucado quanto inchado quando me acomodo ao
seu lado e
trago o braço mais próximo a mim, imediatamente pegando o pulso grosso e
começando a trabalhar nele.
– Não posso acreditar que dois idiotas como eles criaram algo tão maravilhoso
como você –
sussurro baixinho.
Taylor silenciosamente vai para a cozinha e Sawyer dirige-se para o gramado
para ajudar o treinador a guardar tudo.
Seus passos desaparecem, e tudo ao nosso redor fica em silêncio quando Christian
olha para
mim. Sua voz carrega aquela calma mortal que adquire quando ele está muito
ocupado lutando contra alguma coisa dentro de si.
– Eles estão certos, pimentinha.
Sinto como se tivesse sido golpeada com um taco de beisebol direto no meu
peito.
Respirando fundo, ele me olha ferozmente.
– Ana, eu não desejaria um pai como eu pra prole do Scorpion, muito menos pra
nossa.
Não. Não é um taco de beisebol. Acho que um trem me atropelou. A dor percorre o
meu corpo e deixo seu braço cair.
– Por favor, não diga isso. Por favor, não pense outra coisa senão que você
será o melhor pai do mundo.
Chris fecha a mandíbula e posso dizer que ele suaviza sua voz por minha causa.
– Ele pode ser como eu.
– Como você? O que isso quer dizer? – respondo ferozmente, segurando minha
barriga. – Bonito por dentro e por fora? Com mais força de vontade do que
qualquer um que já conheci. Hercúleo, generoso, amável...
Ele parece tão atormentado que seguro sua mandíbula e o forço a olhar para
mim.
– Você é a melhor coisa que já me aconteceu. Você é humano, Chris, e real, e eu
não teria você de outra maneira. Queremos isso. Queremos uma família juntos.
Nós merecemos isso como qualquer outra pessoa.
De mandíbula fechada, Chris range os dentes.
– Pimentinha, querer isso não significa que está certo. Eu sou inútil para
qualquer outra coisa que não seja lutar.
– Não, não é. Você é um grande lutador, mas não é isso que faz VOCÊ ser quem é.
Chris, não vê como é uma pessoa inspiradora? Você é honesto, motivado,
apaixonado, feroz e doce. Você protege e sustenta sem qualquer expectativa. Eu
nunca ouvi você julgar as pessoas, criticar. Vive a sua vida por suas próprias
regras e faz o seu melhor para proteger aqueles que o cercam. E ama ainda com mais
intensidade do que luta, e nunca vi ninguém lutar como você. Ninguém o ensinou
a ser como é, isso é inato. Seja de qualquer forma ou maneira que surja, você é
o único pai que eu iria querer para meus filhos, e o único homem que sempre
amarei. Por favor, esqueça aqueles dois. Eles apenas o fizeram biologicamente,
mas não fizeram você ser quem é!
Ele absorve as minhas palavras, e enquanto pensa sobre elas, agarro a parte de
trás de sua cabeça e puxo para baixo para que eu possa beijar aqueles belos
lábios e impedi-los de dizer qualquer coisa mais dolorosa sobre Chris.
Sua boca, difícil no começo, amacia sob minha pressão, até que eu sinta a
tensão nele se esvaindo conforme sua língua me procura e murmura contra os meus
lábios:
– Você está cega porque é minha.
– Ao contrário, eu vejo você porque sou sua.
Chris se afasta para buscar a minha expressão, o olhar brilhando tão protetor
em mim, sei que ele vai fazer de tudo para me proteger e a nosso bebê.
– Eles não concordam com a minha escolha. Você está bem com isso? –pergunta.
Deus, estou bem com qualquer coisa que ele fizer, de tanto que confio, respeito
e amo esse homem.
Sei que ele está perguntando sobre a sua escolha de usar meios naturais para o
controle de sua condição. Provavelmente custa o dobro do esforço que ele
levaria para se medicar; é preciso disciplina e um estilo de vida inteiramente
dedicado ao seu bem-estar, e, francamente, não é como se ele estivesse
estabelecendo uma posição política sobre o problema. É a vida dele e ele está
tentando vivê-la, e quero viver a minha com ele. Todo mundo que já ficou doente
ou já usou medicação por longo prazo sabe que quando você corrige uma coisa
quimicamente em seu corpo, você desiste de outra. Olhe para a lista de efeitos
colaterais. Não há pílula mágica para a saúde.
Somos uma obra constante, sempre em andamento, e a saúde não é um lugar
estático. É uma meta que está sempre em movimento e precisa ser perseguida,
diariamente, e para sempre. Christian vai sempre lutar essa luta... E
sempre vou lutar com ele.
– Sim, concordo com a sua escolha, Chris – digo, sustentando seu olhar, então
ele sabe que quero dizer exatamente isso.
O sorriso que aparece em seu rosto é oh, tão suave.
– Nós vamos ter um pequeno alguém que depende de nós. Você tem que me dizer se
isso é muito pra você, Ana.
– Eu lhe informarei – concordo.
Ele pega minha mão na sua mão enorme e nós dois ficamos observando nossas mãos
enquanto
entrelaçamos os dedos.
– Então me dê sua palavra de que vai me contar se eu ficar fora de controle e
que você gostaria que eu fosse me medicar, e dou-lhe a minha palavra de que
irei fazer isso no instante em que você me pedir.
– Dou a minha palavra, Christian – digo, apertando a mão dele.
– E eu lhe dou a minha. – Ele me puxa para mais perto e me envolve em seus
braços, e eu deslizo para dentro, absorvendo seu abraço forte, protetor, ao
mesmo tempo que meu homem espalha seus dedos na minha barriga redonda e abaixa
a cabeça sobre o meu ombro para olhar. – Vou proteger você até morrer –
sussurra contra meu ouvido: – Nada nunca vai machucar as duas. Se ela for como eu,
vou apoiá-la como eles nunca fizeram. Vou mostrar a ela que pode crescer e
frutificar. Que ela é uma pessoa que vale a pena.
Estou completamente derretida quando viro minha cabeça para enterrar meu nariz
no peito suado, não querendo estar em outro
lugar.
– Sim, mas vai ser um ele. E ele tem isso. Assim como você.
Amo demais essa história
ResponderExcluirO amor deles será triplicado com esse filho😍
ResponderExcluirAna está certa eles não são seus pais apenas te colocaram no mundo
ResponderExcluirNão se faz isso com ninguém
Jogar em algum lugar e largar Oi tá ser tratado igual bicho e sozinho a base de remédios pra ser controlado como se fosse uma fera
Isso e desumano
Christian está certo em tentar levar uma vida o mais normal possível e não querer se intupir de remédios
ResponderExcluirE com certeza vai ser um bom pai
Como diz Ana pro garotinho